Extensão Popular






EXTENSÃO POPULAR

José Francisco de Melo Neto

Prof. Titular da Universidade Federal da Paraíba. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação (Educação Popular, Comunicação e Cultura). Coordena a Incubadora de Empreendimentos Solidários (INCUBES) da UFPB e o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR).

Este texto tem a pretensão de promover um diálogo com aqueles que atuam no campo da extensão, em particular com o extensionista de áreas rurais na organização das comunidades, com o extensionista de áreas urbanas voltados aos setores sociais empobrecidos e distanciados da posse de bens culturais e de sobrevivência humana, enfim com aqueles que estão imersos nas mais díspares realidades mas que vislumbram horizontes de superação das mesmas, inclusive por caminhos institucionais, em que a extensão tem um papel. Ao dimensionar o campo de atuação de profissionais, sejam professores, estudantes ou demais servidores públicos e pessoas de comunidades, aparece a questão: que extensão pode contribuir para os diferenciados tipos de atitudes nesses ambientes em destaque? A resposta que se impõe, de imediato, é a extensão popular. Mas, o que é a extensão popular?


A construção dessa perspectiva teórico-prática parece cobrar uma caracterização, mesmo tênue, do tipo de sociedade que se deseja superar e as políticas dominantes. Dessa forma, urge um olhar crítico sobre aquilo que se está vivenciando e, assim, abre-se a possibilidade de que com uma melhor compreensão desse mundo de vida, ações na perspectiva coletiva de sua superação possam aparecer.

A discussão da atual cultura política estabelecida passa pela discussão das políticas dominantes do momento histórico atual. Para os dias de hoje, esta exigência cobra a caracterização do liberalismo e seus valores éticos presentes nas ações políticas. Expressa uma visão capitalista de mundo, mesmo que tenha adquirido nuances em seu percurso histórico. Constitui uma formulação teórica e hegemônica na atualidade, absorvendo uma plasticidade conceitual em torno de um núcleo determinante que sustenta e garante certas evoluções conceituais, adquirindo a denominação de neoliberalismo.

Liberalismo é, portanto, uma filosofia, no sentido gramsciano do termo. Define um pensamento que engloba um arco de características de toda uma época e que, por si mesmo, propõe-se como um princípio organizativo de toda uma civilização. Nesse aspecto, expressa uma concepção de economia, de política, de história e de ética. É uma síntese do racionalismo ao definir a razão e não a fé como meio de conhecimento e, necessariamente, guia de conduta. Tem sua fonte no naturalismo ao conceber o homem inscrito no estado de natureza e não na ordem divina. Alimenta-se ainda do individualismo na medida em que formula severas críticas ao modus vivendi da Idade Média e sua organização social.


Traduziu-se numa síntese cultural de tamanha força que foi responsável, mesmo que de forma diferenciada, pela revolução inglesa de 1640, pelo movimento de independência norte-americana de 1776 e pela revolução francesa de 1789, tidas como as revoluções burguesas, no sentido de que abriram as condições de florescimento do capitalismo. O núcleo desse ideário se constitui na defesa intransigente da propriedade privada, do mercado e da acumulação de capital. Mercado como enunciado central da formulação liberal, transformando-se em nova deusa. Exacerba esse conceito e gera uma leitura economicista do mundo que se pretende única e verdadeira.

Atualmente, pela ótica política, cada vez mais, observa-se um deslocamento dessa concepção doutrinária para a direita, em nível





internacional. As experiências do leste europeu movem-se para possíveis governos de políticas nada claras, porém sob hegemonia liberal. Os governos social-democratas deslocam-se mais à direita em relação às suas políticas sociais, mesmo aqueles que buscam uma terceira via. A América Latina, por sua vez, tornou-se o laboratório de implantação de medidas liberais. Um exemplo singular são as privatizações, as marcas da política da década passada no Brasil e, agora, com menor intensidade. O Chile vem sendo o modelo dessas políticas.


Os liberais buscam descaracterizar a política do distributivismo do Estado de Bem-Estar Social (com a denúncia da crise fiscal), o gigantismo estatal acusado de burocrático, ineficiente e, sobretudo, os “excessos” de democracia que abrem um exagero de demandas (reivindicações ou mesmo apropriações por setores sociais) sobre o Estado. Por outro lado, torna-se propositivo em torno de alguns temas como a privatização, a desregulamentação de normas, a diminuição dos impostos e dos encargos sociais, a internacionalização da economia, bem como a autonomização dos governos frente ao controle democrático, constituindo-se também como a expressão concreta de seu ideário geral. Assim, encastela-se nas mentalidades e se pretendendo como dogma, fora do qual não há “salvação”.

Para Sousa (1995), com a propalada globalização há uma explícita tentativa de redivisão do mundo e um reforço das “fronteiras econômicas das áreas sob comando dos monopólios das grandes potências”. A respeito da revolução científico-técnica, o que se apresenta de concreto é ora a estagnação, ora a dança da “economia mundial e o estrito monopólio dos poucos avanços tecnológicos existentes”. Com relação ao papel do Estado, assiste-se, na verdade, a uma deslavada pilhagem dos bens públicos pelos grupos monopolistas e pelas elites dominantes. Em relação ao mercado, ao contrário de sua





alegada onipotência, o que está acontecendo é sua inteira subjugação à ação dos monopólios. Sobre o fim da História, o neoliberalismo afirma que o capitalismo venceu e fora dele não há alternativa. Mas, “o que se vê é a sua necessária superação frente ao elevado grau de exclusão dos bens materiais de uma maioria cada dia crescente” (Melo Neto, 2000: 14).

Os dogmas neoliberais, de forma midiática e insistente, pretendem-se, politicamente, ser as únicas e últimas opções de vida para a humanidade. Assim, buscam suspender o pensamento crítico e, com isso, eliminar estudos de possibilidades de condições de alternativas. Suas políticas são tentativas de encobrir a realidade, invertendo o papel das coisas, promovendo, cada dia mais, o aumento da exclusão social.


Como uma filosofia, contempla também uma perspectiva ética. Na verdade, essa ética está voltada para aspectos que conduzem a um fazer cotidiano fundamentado no individualismo e no lucro (a busca da propriedade), sobretudo. Estes aspectos, talvez em si mesmos, já são tidos como inofensivos devido à sua aceitação, praticamente, generalizada na sociedade.

Contudo, mesmo com esses desejos liberais, a América Latina vem caminhando na busca de outras possibilidades de poder viver e viver com seus próprios pés, haja vista os últimos resultados eleitorais no Brasil, na Venezuela, na Bolívia e no Chile. Diante dessa realidade, qual pode ser o sentido da extensão popular? Com que valores pode se apresentar a ação extensionista na perspectiva mudancista para uma sociedade na qual o humano seja a sua figura central?

A resposta a estas questões remete, inicialmente, à discussão sobre o conceito de extensão que afirmando a dimensão do humano, tem no trabalho o centro de suas possibilidades teóricas e práticas. A atividade de extensão realizada pelo trabalho tem sentido se





interpretada como “a criação e recriação de conhecimentos possibilitadores de transformações sociais, onde a questão central será identificar o que deve ser pesquisado e para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos” (BRASIL/MEC, 1999: 5). Destaque-se a necessidade da produção do conhecimento e não simplesmente a promoção de uma relação entre saberes acadêmicos e saberes populares. A busca por produção de um conhecimento transpõe a dimensão meramente de troca de saberes. Essa dimensão ocorre nas ações extensionistas, mas não se constitui, meramente, de processos relacionais.

A definição formulada no I Fórum de Pró-Reitores (Brasil/MEC: 1987: 5) já vislumbrava a preocupação com a “produção do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade”. Fazer extensão pressupõe a ação propriamente dita, pois esta não se enquadra em mera perspectiva contemplativa da realidade. Nesse sentido, é importante ressaltar a conclusão do Fórum:


“A intervenção na realidade não visa levar a universidade a substituir funções de responsabilidade do Estado, mas sim produzir saberes, tanto científicos e tecnológicos quanto artísticos e filosóficos, tornando-os acessíveis à população, ou seja, a compreensão da natureza pública da universidade se confirma na proporção em que diferentes setores da população brasileira usufruam dos resultados produzidos pela atividade acadêmica, o que não significa ter que, necessariamente, freqüentar seus cursos regulares” (ibid.: 6).

A construção de um conceito atualizado para as necessidades que estão apresentadas, no atual momento histórico, exige que se vá além das possibilidades apontadas, buscando as relações internas existentes e suas práticas nas instituições promotoras de extensão, como a universidade. Volta-se, ainda, às questões que a realidade objetiva mais expõe àqueles que desenvolvem atividades de extensão. É nessa





perspectiva que se torna possível encontrar uma definição de extensão, nas conclusões do citado Fórum de Pró-Reitores. Nessa condição, a extensão busca atender as multiplicidades de perspectivas em consonância com os seguintes princípios: a ciência, a arte e a tecnologia devem alicerçar-se nas prioridades da região; a universidade não pode entender-se como detentora de um saber pronto e acabado; a universidade deve participar de todos os movimentos sociais, visando à construção da cidadania. Nesse aspecto, a extensão pode “ser encarada como um trabalho social, ou seja, ação deliberada que se constitui a partir da realidade e sobre esta realidade objetiva, produzindo conhecimentos que visam à transformação social” (ibid.: 8).

Mesmo que trabalho seja útil também aos processos de integração, essa categoria teórica trabalho será utilizada para se discutir um conceito de extensão voltado a algo diferenciador de qualquer perspectiva de integração social e definido pela busca de outras possibilidades de vida, da construção de outro processo cultural, indo além da formulação do Fórum. Trabalho tem uma dimensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser qualificado. É uma qualificação para a própria universidade, enquanto seja possível observá-la em outra perspectiva. Dessa forma, extensão é entendida como responsável por um “trabalho para fazer com que os alunos assimilem um conhecimento através da inserção na realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam alguma coisa para o momento atual” 2. Esta visão concebe a universidade como a responsável por um trabalho que possibilite o exercício da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a realidade”, contribuindo, inclusive, com a reflexão das práticas acadêmicas de docentes e estudantes – uma extensão não alienante.

2   Membro da equipe da PRAC/UFPB. Texto de entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2000).





A extensão como um trabalho3 não pode realizar-se, adquirindo um papel alienante. Como escapar da alienação nesse tipo de fazer acadêmico, se o trabalho alienado é possível? Como o trabalho adquire essa dimensão? Nessa busca, Marx (1979) inicia seu estudo sobre essa categoria teórica, aceitando os conceitos utilizados pela economia clássica, tais como: a propriedade privada, os salários, os lucros e arrendamento, a competição, o conceito de valor de trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como também a divisão do trabalho. É sobre essa base empírica que constrói a sua crítica, constatando que o trabalhador, na perspectiva da economia clássica e, sobretudo, nas bases do modo de produção estabelecido, o capitalismo, “afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção”(Ibid.: 89). Destaca ainda que a competição estabelecida no capitalismo gera o acúmulo de capital em poucas mãos restaurando, dessa forma, o monopólio. Enfim, essa dualidade existente entre capitalista e proprietário de terra, em relação ao trabalhador agrícola e operário, precisa desaparecer.

Um fato econômico relevante é que o trabalhador está ficando mais pobre. Sua pobreza relaciona-se com a sua produção. “O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas” (ibid.: 90). Aqui, aparece um traço fundamental distanciador das concepções anteriores de trabalho, cuja preocupação (economia clássica) estava voltada à
3  Esta discussão teórica sobre o trabalho não é uma novidade para a filosofia nem para a teoria econômica. Não é criação do século XIX, posto que foi apresentada em séculos anteriores. É a partir da concepção de trabalho contida nas obras dos economistas políticos, considerados clássicos, como Ricardo e Smith, bem como nas formulações idealistas dos filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica sobre a formulação teórica desses pensadores e de uma forma mais ampla, sobre o conceito de trabalho.





dimensão da produção de mera mercadoria, ou como atividade externa ao homem e gerador de riqueza. Toma corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental dessa categoria e da perspectiva de se vislumbrar a extensão num campo teórico e de realizações sem alienação.

Ver a extensão como um trabalho conduz à sua compreensão provida da dimensão humana, da essência do homem. O trabalho, portanto, “não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens” (ibid.: 90). Como um trabalho, o fazer extensão só pode resgatar o caráter humano do mesmo. O objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, precisa pertencer ao produtor, superando a sua alienação.

A extensão, nos marcos da categoria trabalho, proporciona uma preocupação teórica permanente na sua realização4. A realidade circundante do fazer extensão sempre mantém o convite à necessária conexão entre a crítica que precisa permanecer no fazer extensionista, com o seu próprio meio material. É este meio material que proporcionará a não transformação das análises sobre extensão em dogmas ou arbitrariedades, escapando de um fazer abstrato, prisioneiro puramente da imaginação. É importante o pensamento a partir de indivíduos reais, de sua ação, bem como de suas condições materiais de vida, tanto aquelas já existentes como as produzidas por sua ação. Nesse sentido, declara Marx (1996.: 27): “O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de



4 Nas citações da Ideologia Alemã de Marx e Engels, aparecerá apenas o nome de Marx.





pensar, mas o de produzir seus meios de vida”5. A ação extensionista terá importância à medida que tiver, de forma explícita, uma utilidade produtiva voltada à vida humana.

Após a análise sobre o conceito de trabalho e o destaque ao trabalho alienado, urge uma discussão sobre a sua divisão, possível também no trabalho extensionista. Essa divisão, historicamente, vem acontecendo entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, acompanhado, hoje, por uma divisão mais profunda, que é o trabalho concreto(manual) e o trabalho intelectual. Essa divisão gera a separação entre a cidade e o campo e, como conseqüência, os conflitos decorrentes da diferenciação dos interesses que estão em campos opostos.

A divisão do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes proprietários. Torna-se evidente a luta da extensão por recursos financeiros para a realização de projetos, em contraponto com as definições já existentes para o ensino e para a pesquisa. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que “o próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação” (ibid.: 104). A extensão universitária tem adquirido essa fragmentação, mesmo sendo considerada como um trabalho social com uma utilidade determinada. Os desafios que se abrem doravante dizem respeito às possibilidades de sua superação.

A extensão, vista nos marcos conceituais do trabalho, não precisa se abrir como um processo em que não se vislumbre apenas a produção



5 Ver maiores detalhes sobre a questão nas notas desenvolvidas por Engels, no Manifesto Comunista.





de valores de uso. Não será possível a compreensão dessa categoria, sem a compreensão da dialeticidade existente nesse processo e de que forma se dá essa produção de valores de uso. Nessa perspectiva, Marx sugere a identificação do trabalho com o próprio mecanismo de utilização da força de trabalho. Para ele (1982: 201), “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador da força do trabalho passa a consumi-la, enquanto que o seu vendedor apenas trabalha. Ao trabalhar, ocorre a superação daquilo que estava existindo no sujeito apenas de forma potencial. Agora esse sujeito é um trabalhador e detém a força de trabalho em ação.

O realizador da extensão, o extensionista, é um trabalhador e detentor de sua força de trabalho em ação assim como os membros da comunidade. Ora, essa força de trabalho em ação irá transformar as coisas que passam a apresentar uma finalidade, atender a uma necessidade, seja de qualquer ordem, tornando-se mercadorias. O produto da extensão, mesmo que seja o conhecimento, tem valor de mercadoria. Mas essa produção de mercadoria não acontece de forma espontânea ou mesmo arbitrária. Na verdade, está sob o controle daquele que determina que seja produzida tal ou qual mercadoria - o capitalista - produzindo o trabalho um valor de uso particular ao seu artigo também específico. A universidade não está, portanto, imune ao mercado do capitalista. Assim, a realização do trabalho, agora em valor de uso, transformação de algo em mercadoria, só torna possível o seu entendimento a partir da visão de trabalho como processo.

O trabalho em um determinado momento expressa uma síntese filosófica e pode-se dizer que a extensão, adquirindo as dimensões filosófica e educativa, intrínsecas à categoria trabalho, pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. Pela educação, em seu sentido mais amplo, garante-se a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações, num processo de





acumulação, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, mantendo a sobrevivência da espécie. O trabalho extensionista torna-se, portanto, fator de criatividade do humano.

Como se vê, o trabalho vem marcando a discussão no campo da extensão. No desenvolvimento das atividades em que o humano defronta-se com a natureza, também realiza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho que possibilita o significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e conseqüências, sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. Esse torna-se uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza, indicando nas relações de produção, também expressas nas atividades de extensão, o caráter social, indissociável, que acompanha o seu processo. A extensão como trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social útil com uma determinada intencionalidade.

Esta possibilidade de se entender extensão como trabalho social com explícita utilidade opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho.

Extensão, como trabalho social útil com a intencionalidade de conectar o ensino e a pesquisa, passa a ser agora exercida pela universidade e por membros de uma comunidade sobre a realidade objetiva. É, portanto, um fenômeno educativo com um conteúdo pedagógico derivado de questões da realidade social. Também é prestadora de serviço sem ter sem ter essa finalidade. Pode, ainda, realizar alguma assistência sem se tornar uma política compensatória assistencial. Como ensino, é difusora de conhecimento bem como capturadora de problemas científicos, artísticos, técnicos e culturais da sociedade contribuindo para que sejam analisados pelas técnicas de





pesquisa, em especial metodologias de pesquisa que promovam a participação, a exemplo da pesquisa-ação. Um trabalho cooparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho de construção do conhecimento novo ou reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados serão os constituintes de outra dimensão da universidade: o ensino. É também um trabalho de busca de objeto para a pesquisa. A extensão configura-se e concretiza-se como trabalho social útil, imbuído da intencionalidade de pôr em mútua correlação o ensino e a pesquisa. Portanto, é social na medida em que não será uma tarefa individual; é útil, considerando que esse trabalho deverá expressar algum interesse e atender a uma necessidade humana. É, sobretudo, um trabalho que tem na sua origem a intenção de promover o relacionamento entre ensino e pesquisa. Nisto, e fundamentalmente nisto, diferencia-se das dimensões outras da universidade, tratadas separadamente: o ensino e a pesquisa.

Mas, a extensão está permeada da dimensão do popular – extensão popular. Popular tem sido um conceito que tem se apresentado de variadas perspectivas entre militantes partidários ou de movimentos sociais, refletindo-se em ações políticas de projetos em áreas urbanas e rurais. Junto a esses movimentos, popular é visto como tudo aquilo que vem do institucional, a exemplo do sindicato, grupos de mães, associação de moradores ... conformando tudo como uma questão de consciência. Uma segunda visão externa o popular como algo que está, necessariamente, originado nas classes sociais, em particular na classe trabalhadora, também disseminado em conceitos como: as maiorias, o povo, a população, os mais sofridos ou os excluídos da sociedade. Uma terceira visão vislumbra o popular como algo que se expressa por encaminhamentos dirigidos a essas maiorias, enfim, pautado em procedimentos. Nessa concepção, popular adquire dimensão de uma metodologia que só terá significado quando expressar





uma visão de mundo em mudança, contendo em suas ações a dimensão de propor saídas para as situações de miséria vividas pelo povo. Uma quarta visão exige iniciativas no plano político, normalmente originais, que marcam a própria autonomia desses movimentos, construindo um novo tecido social embasado em outros valores e objetivos, expressão de um claro posicionamento político e filosófico sobre o mundo. Esta terceira e quarta dimensão arrastam expressivamente a compreensão sobre popular.

Como se vê, ao se pensar a extensão popular exige-se uma definição que passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição do fazer extensão, sendo, urgente a atualização dessas ações para as novas exigências que são postas a essas maiorias marginalizadas. Ao assumir a dimensão do popular, o conceito de extensão passa a considerar as dimensões fundantes do adjetivo como a origem e o direcionamento das questões que se apresentam; o componente político essencial e norteador das ações; e, com especial destaque o popular expresso por metodologias que apontem encaminhamentos de ações, acompanhadas de seus aspectos éticos (diálogo, solidariedade, tolerância, coletivo...) e utópicos

(autonomia, liberdade...) que, para os dias de hoje, se tornam uma exigência social.

Assumindo a dimensão do popular, a extensão transpõe os muros institucionais superando o seu exercício apenas a partir dos participantes de determinadas organizações sociais, sobretudo estatais. Adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade abrangendo ações educativas em movimentos sociais e outros instrumentos organizativos da sociedade civil ou mesmo a partir do Estado.

Como trabalho social útil com a intencionalidade de transformação, direcionado aos setores sociais excluídos, a extensão popular realiza-se no conjunto das tensões de seus participantes em





ação e da realidade objetiva. Nessa perspectiva, a extensão popular contém uma metodologia de trabalho social que desenvolva uma visualização maior das contradições do modo de produção dominante, mesmo que os trabalhadores tenham pouca escolaridade e baixa qualificação, elementos promotores de exclusão, sobretudo nesses setores sociais. Para Prestes (1998: 5), são visíveis novas frentes de produção econômica, talvez, voltadas ao mercado informal. “São estas novas formas culturais, emergidas nos setores populares e voltadas a um tipo de produção setorizado que oferecem possibilidades de construção de iniciativas econômicas alternativas e inovadoras dos excluídos”. A efetivação de ações educativas pautadas por princípios éticos definidos, com reforço ao coletivo e com preocupações voltadas às maiorias sociais, será conduzida no sentido de garantir que alternativas sejam possíveis, inibindo modelos de produção que só mantêm ou fortalecem os mecanismos de exclusão.

É preciso ações educativas na realização da extensão que pautadas no respeito às individualidades do outro e na busca pela autogestão, possam garantir o desenvolvimento das narrações históricas das experiências dos participantes. Segundo Vasconcelos (1998: 16), essas narrações, ao lado do envolvimento com a história, expressam uma forma de teorização que, “ao contrário da maioria das formulações mais acadêmicas, conseguem preservar os aspectos de subjetividade, de irracionalidade e de coincidência que existem na vida social”.

São, portanto, ações educativas em extensão popular capazes de apresentar a opção pelo trabalho social útil com a intencionalidade de estar voltado à organização dos setores sociais, no sentido, inclusive, de sua autovalorização e de sua autorganização. Segundo Sales (1998: 8), os trabalhadores “ainda se entregam muito a salvadores da pátria. Acreditam mais em leis feitas pelos adversários do que em suas próprias





lutas, quando teriam melhor resultado se batalhassem para ser governo e não para ter governo”.

Na busca da modernidade, as ações educativas presentes na extensão popular voltam-se para uma ética dos fins e dos meios, resgatando-se a ética na política. Nesse sentido é que se pode desenvolver o trabalho social voltado ao exercício da democratização de todos os setores da vida social, com a promoção da participação de todos os envolvidos em extensão, incentivando, inclusive, a educação aos direitos emergentes das pessoas.

Além dos princípios externados, pode-se desenvolver um conjunto de outros princípios, norteadores de práticas extensionistas, que vislumbre os seguintes aspectos: a compartilhação dos conhecimentos e das atividades culturais; a promoção da busca incessante de outra racionalidade econômica internacional; a comunicação entre indivíduos, a responsabilidade social, direitos iguais a todos, respeito às diferenças e às escolhas individuais ou grupais, novos elementos que potenciem a dimensão comunitária e a solidariedade entre as pessoas. São, portanto, um corpo ético que pode ajudar à construção de uma outra cultura política através da extensão, caracterizadamente, popular. Extensão popular como expressão de atitudes superadoras de todo tipo de agentes impeditivos da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de justiça, liberdade e de felicidade.




Referências



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