EXTENSÃO POPULAR
José Francisco de Melo
Neto
Prof. Titular da Universidade Federal da Paraíba. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação (Educação Popular, Comunicação e Cultura). Coordena a Incubadora de Empreendimentos Solidários (INCUBES) da UFPB e o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR).
Este texto
tem a pretensão de promover um diálogo com aqueles que atuam no campo da
extensão, em particular com o extensionista de áreas rurais na organização das
comunidades, com o extensionista de áreas urbanas voltados aos setores sociais
empobrecidos e distanciados da posse de bens culturais e de sobrevivência
humana, enfim com aqueles que estão imersos nas mais díspares realidades mas
que vislumbram horizontes de superação das mesmas, inclusive por caminhos
institucionais, em que a extensão tem um papel. Ao dimensionar o campo de
atuação de profissionais, sejam professores, estudantes ou demais servidores
públicos e pessoas de comunidades, aparece a questão: que extensão pode
contribuir para os diferenciados tipos de atitudes nesses ambientes em
destaque? A resposta que se impõe, de imediato, é a extensão popular. Mas, o
que é a extensão popular?
A
construção dessa perspectiva teórico-prática parece cobrar uma caracterização,
mesmo tênue, do tipo de sociedade que se deseja superar e as políticas
dominantes. Dessa forma, urge um olhar crítico sobre aquilo que se está
vivenciando e, assim, abre-se a possibilidade de que com uma melhor compreensão
desse mundo de vida, ações na perspectiva coletiva de sua superação possam
aparecer.
A discussão
da atual cultura política estabelecida passa pela discussão das políticas
dominantes do momento histórico atual. Para os dias de hoje, esta
exigência cobra a caracterização do liberalismo e seus valores éticos presentes
nas ações políticas. Expressa uma visão capitalista de mundo, mesmo que tenha
adquirido nuances em seu percurso histórico. Constitui uma formulação teórica e
hegemônica na atualidade, absorvendo uma plasticidade conceitual em torno de um
núcleo determinante que sustenta e garante certas evoluções conceituais,
adquirindo a denominação de neoliberalismo.
Liberalismo
é, portanto, uma filosofia, no sentido gramsciano do termo. Define um
pensamento que engloba um arco de características de toda uma época e que, por
si mesmo, propõe-se como um princípio organizativo de toda uma civilização. Nesse aspecto, expressa uma concepção
de economia, de política, de história e de ética. É uma síntese do racionalismo
ao definir a razão e não a fé como meio de conhecimento e, necessariamente,
guia de conduta. Tem sua fonte no naturalismo ao conceber o homem inscrito no
estado de natureza e não na ordem divina. Alimenta-se ainda do individualismo
na medida em que formula severas críticas ao modus vivendi da Idade Média e sua
organização social.
Traduziu-se
numa síntese cultural de tamanha força que foi responsável, mesmo que de forma
diferenciada, pela revolução inglesa de 1640, pelo movimento de independência
norte-americana de 1776 e pela revolução francesa de 1789, tidas como as
revoluções burguesas, no sentido de que abriram as condições de florescimento
do capitalismo. O núcleo desse ideário se constitui na defesa intransigente da
propriedade privada, do mercado e da acumulação de capital. Mercado como enunciado
central da formulação liberal, transformando-se em nova deusa. Exacerba esse
conceito e gera uma leitura economicista do mundo que se pretende única e
verdadeira.
Atualmente,
pela ótica política, cada vez mais, observa-se um deslocamento dessa concepção
doutrinária para a direita, em nível
internacional. As
experiências do leste europeu movem-se para possíveis governos de políticas
nada claras, porém sob hegemonia liberal. Os governos social-democratas
deslocam-se mais à direita em relação às suas políticas sociais, mesmo aqueles
que buscam uma terceira via. A América Latina, por sua vez, tornou-se o
laboratório de implantação de medidas liberais. Um exemplo singular são as
privatizações, as marcas da política da década passada no Brasil e, agora, com
menor intensidade. O Chile vem sendo o modelo dessas políticas.
Os liberais
buscam descaracterizar a política do distributivismo do Estado de Bem-Estar
Social (com a denúncia da crise fiscal), o gigantismo estatal acusado de
burocrático, ineficiente e, sobretudo, os “excessos” de democracia que abrem um
exagero de demandas (reivindicações ou mesmo apropriações por setores sociais)
sobre o Estado. Por outro lado, torna-se propositivo em torno de alguns temas
como a privatização, a desregulamentação de normas, a diminuição dos impostos e
dos encargos sociais, a internacionalização da economia, bem como a
autonomização dos governos frente ao controle democrático, constituindo-se
também como a expressão concreta de seu ideário geral. Assim, encastela-se nas
mentalidades e se pretendendo como dogma, fora do qual não há “salvação”.
Para Sousa
(1995), com a propalada globalização há uma explícita tentativa de redivisão do
mundo e um reforço das “fronteiras econômicas das áreas sob comando dos
monopólios das grandes potências”. A respeito da revolução científico-técnica,
o que se apresenta de concreto é ora a estagnação, ora a dança da “economia
mundial e o estrito monopólio dos poucos avanços tecnológicos existentes”. Com
relação ao papel do Estado, assiste-se, na verdade, a uma deslavada pilhagem
dos bens públicos pelos grupos monopolistas e pelas elites dominantes. Em
relação ao mercado, ao contrário de sua
alegada onipotência, o
que está acontecendo é sua inteira subjugação à ação dos monopólios. Sobre o
fim da História, o neoliberalismo afirma que o capitalismo venceu e fora dele
não há alternativa. Mas, “o que se vê é a sua necessária superação frente ao
elevado grau de exclusão dos bens materiais de uma maioria cada dia crescente”
(Melo Neto, 2000: 14).
Os dogmas
neoliberais, de forma midiática e insistente, pretendem-se, politicamente, ser
as únicas e últimas opções de vida para a humanidade. Assim, buscam suspender o
pensamento crítico e, com isso, eliminar estudos de possibilidades de condições
de alternativas. Suas políticas são tentativas de encobrir a realidade,
invertendo o papel das coisas, promovendo, cada dia mais, o aumento da exclusão
social.
Como uma
filosofia, contempla também uma perspectiva ética. Na verdade, essa ética está
voltada para aspectos que conduzem a um fazer cotidiano fundamentado no
individualismo e no lucro (a busca da propriedade), sobretudo. Estes aspectos,
talvez em si mesmos, já são tidos como inofensivos devido à sua aceitação,
praticamente, generalizada na sociedade.
Contudo,
mesmo com esses desejos liberais, a América Latina vem caminhando na busca de
outras possibilidades de poder viver e viver com seus próprios pés, haja vista
os últimos resultados eleitorais no Brasil, na Venezuela, na Bolívia e no
Chile. Diante dessa realidade, qual pode ser o sentido da extensão popular? Com
que valores pode se apresentar a ação extensionista na perspectiva mudancista
para uma sociedade na qual o humano seja a sua figura central?
A resposta
a estas questões remete, inicialmente, à discussão sobre o conceito de extensão
que afirmando a dimensão do humano, tem no trabalho o centro de suas
possibilidades teóricas e práticas. A atividade de extensão realizada pelo
trabalho tem sentido se
interpretada como “a
criação e recriação de conhecimentos possibilitadores de transformações
sociais, onde a questão central será identificar o que deve ser pesquisado e
para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos” (BRASIL/MEC, 1999:
5). Destaque-se a necessidade da produção do conhecimento e não simplesmente a
promoção de uma relação entre saberes acadêmicos e saberes populares. A busca
por produção de um conhecimento transpõe a dimensão meramente de troca de
saberes. Essa dimensão ocorre nas ações extensionistas, mas não se constitui,
meramente, de processos relacionais.
A definição
formulada no I Fórum de Pró-Reitores (Brasil/MEC: 1987: 5) já vislumbrava a
preocupação com a “produção do conhecimento acadêmico e a participação efetiva
da comunidade na atuação da universidade”. Fazer extensão pressupõe a ação
propriamente dita, pois esta não se enquadra em mera perspectiva contemplativa
da realidade. Nesse sentido, é importante ressaltar a conclusão do Fórum:
“A
intervenção na realidade não visa levar a universidade a substituir funções de
responsabilidade do Estado, mas sim produzir saberes, tanto científicos e
tecnológicos quanto artísticos e filosóficos, tornando-os acessíveis à
população, ou seja, a compreensão da natureza pública da universidade se
confirma na proporção em que diferentes setores da população brasileira
usufruam dos resultados produzidos pela atividade acadêmica, o que não
significa ter que, necessariamente, freqüentar seus cursos regulares” (ibid.:
6).
A
construção de um conceito atualizado para as necessidades que estão
apresentadas, no atual momento histórico, exige que se vá além das
possibilidades apontadas, buscando as relações internas existentes e suas
práticas nas instituições promotoras de extensão, como a universidade.
Volta-se, ainda, às questões que a realidade objetiva mais expõe àqueles que
desenvolvem atividades de extensão. É nessa
perspectiva que se
torna possível encontrar uma definição de extensão, nas conclusões do citado
Fórum de Pró-Reitores. Nessa condição, a extensão busca atender as
multiplicidades de perspectivas em consonância com os seguintes princípios: a
ciência, a arte e a tecnologia devem alicerçar-se nas prioridades da região; a
universidade não pode entender-se como detentora de um saber pronto e acabado;
a universidade deve participar de todos os movimentos sociais, visando à
construção da cidadania. Nesse aspecto, a extensão pode “ser encarada como um trabalho social, ou seja, ação
deliberada que se constitui a partir da realidade e sobre esta realidade
objetiva, produzindo conhecimentos que visam à transformação social” (ibid.:
8).
Mesmo que trabalho seja útil também aos processos de integração, essa
categoria teórica trabalho será utilizada para se discutir um conceito de
extensão voltado a algo diferenciador de qualquer perspectiva de integração
social e definido pela busca de outras possibilidades de vida, da construção de
outro processo cultural, indo além da formulação do Fórum. Trabalho tem uma
dimensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser qualificado. É uma qualificação para a própria universidade,
enquanto seja possível observá-la em outra perspectiva. Dessa forma, extensão é
entendida como responsável por um “trabalho
para fazer com que os alunos assimilem um conhecimento através da inserção na
realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam alguma coisa
para o momento atual” 2. Esta visão concebe a universidade como a responsável por um trabalho
que possibilite o exercício da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a
realidade”, contribuindo, inclusive, com a reflexão das práticas acadêmicas de
docentes e estudantes – uma extensão não alienante.
2
Membro da equipe da PRAC/UFPB. Texto de entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2000).
A extensão como um trabalho3 não pode realizar-se, adquirindo um papel
alienante. Como escapar da alienação nesse tipo de fazer acadêmico, se o
trabalho alienado é possível? Como o trabalho adquire essa dimensão? Nessa
busca, Marx (1979) inicia seu estudo sobre essa categoria teórica, aceitando os
conceitos utilizados pela economia clássica, tais como: a propriedade privada,
os salários, os lucros e arrendamento, a competição, o conceito de valor de
trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como também a divisão do
trabalho. É sobre essa base empírica que constrói a sua crítica, constatando
que o trabalhador, na perspectiva da economia clássica e, sobretudo, nas bases
do modo de produção estabelecido, o capitalismo, “afunda até um nível de
mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador
aumenta com o poder e o volume de sua produção”(Ibid.: 89). Destaca ainda que a
competição estabelecida no capitalismo gera o acúmulo de capital em poucas mãos
restaurando, dessa forma, o monopólio. Enfim, essa dualidade existente entre
capitalista e proprietário de terra, em relação ao trabalhador agrícola e
operário, precisa desaparecer.
Um fato econômico relevante é que o trabalhador está ficando mais
pobre. Sua pobreza relaciona-se com a sua produção. “O trabalhador torna-se uma
mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do
mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas”
(ibid.: 90). Aqui, aparece um traço fundamental distanciador das concepções
anteriores de trabalho, cuja preocupação (economia clássica) estava voltada à
3
Esta discussão teórica sobre o trabalho
não é uma novidade para a filosofia nem para a teoria econômica. Não é criação
do século XIX, posto que foi apresentada em séculos anteriores. É a partir da
concepção de trabalho contida nas obras dos economistas políticos, considerados
clássicos, como Ricardo e Smith, bem como nas formulações idealistas dos
filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica
sobre a formulação teórica desses pensadores e de uma forma mais ampla, sobre o
conceito de trabalho.
dimensão da produção de
mera mercadoria, ou como atividade externa ao homem e gerador de riqueza. Toma
corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um
elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental dessa categoria e da
perspectiva de se vislumbrar a extensão num campo teórico e de realizações sem
alienação.
Ver a
extensão como um trabalho conduz à sua compreensão provida da dimensão humana,
da essência do homem. O trabalho, portanto, “não cria apenas bens; ele também
produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma
proporção em que produz bens” (ibid.: 90). Como um trabalho, o fazer extensão
só pode resgatar o caráter humano do mesmo. O objeto produzido pelo trabalho, o
seu produto, precisa pertencer ao produtor, superando a sua alienação.
A extensão,
nos marcos da categoria trabalho,
proporciona uma preocupação teórica permanente na sua realização4. A realidade
circundante do fazer extensão sempre mantém o convite à necessária conexão
entre a crítica que precisa permanecer no fazer extensionista, com o seu
próprio meio material. É este meio material que proporcionará a não
transformação das análises sobre extensão em dogmas ou arbitrariedades,
escapando de um fazer abstrato, prisioneiro puramente da imaginação. É
importante o pensamento a partir de indivíduos reais, de sua ação, bem como de
suas condições materiais de vida, tanto aquelas já existentes como as
produzidas por sua ação. Nesse sentido, declara Marx (1996.: 27): “O primeiro
ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o
fato de
4 Nas citações da Ideologia Alemã
de Marx e Engels, aparecerá apenas o nome de Marx.
pensar, mas o de
produzir seus meios de vida”5. A ação extensionista terá importância à
medida que tiver, de forma explícita, uma utilidade produtiva voltada à vida
humana.
Após a
análise sobre o conceito de trabalho e o destaque ao trabalho alienado, urge
uma discussão sobre a sua divisão, possível também no trabalho extensionista.
Essa divisão, historicamente, vem acontecendo entre o trabalho industrial e
comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, acompanhado, hoje, por uma
divisão mais profunda, que é o trabalho concreto(manual) e o trabalho
intelectual. Essa divisão gera a separação entre a cidade e o campo e, como
conseqüência, os conflitos decorrentes da diferenciação dos interesses que
estão em campos opostos.
A divisão
do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das
ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes
proprietários. Torna-se evidente a luta da extensão por recursos financeiros
para a realização de projetos, em contraponto com as definições já existentes
para o ensino e para a pesquisa. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão
entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo
sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma
fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que “o próprio
trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação” (ibid.: 104).
A extensão universitária tem adquirido essa fragmentação, mesmo sendo considerada
como um trabalho social com uma utilidade determinada. Os desafios que se abrem
doravante dizem respeito às possibilidades de sua superação.
A extensão,
vista nos marcos conceituais do trabalho, não precisa se abrir como um processo
em que não se vislumbre apenas a produção
5 Ver maiores detalhes
sobre a questão nas notas desenvolvidas por Engels, no Manifesto Comunista.
de valores de uso. Não
será possível a compreensão dessa categoria, sem a compreensão da dialeticidade
existente nesse processo e de que forma se dá essa produção de valores de uso.
Nessa perspectiva, Marx sugere a identificação do trabalho com o próprio
mecanismo de utilização da força de trabalho. Para ele (1982: 201), “a
utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador
da força do trabalho passa a consumi-la, enquanto que o seu vendedor apenas
trabalha. Ao trabalhar, ocorre a superação daquilo que estava existindo no
sujeito apenas de forma potencial. Agora esse sujeito é um trabalhador e detém
a força de trabalho em ação.
O
realizador da extensão, o extensionista, é um trabalhador e detentor de sua
força de trabalho em ação assim como os membros da comunidade. Ora, essa força
de trabalho em ação irá transformar as coisas que passam a apresentar uma
finalidade, atender a uma necessidade, seja de qualquer ordem, tornando-se
mercadorias. O produto da extensão, mesmo que seja o conhecimento, tem valor de
mercadoria. Mas essa produção de mercadoria não acontece de forma espontânea ou
mesmo arbitrária. Na verdade, está sob o controle daquele que determina que
seja produzida tal ou qual mercadoria - o capitalista - produzindo o trabalho
um valor de uso particular ao seu artigo também específico. A universidade não
está, portanto, imune ao mercado do capitalista. Assim, a realização do
trabalho, agora em valor de uso, transformação de algo em mercadoria, só torna
possível o seu entendimento a partir da visão de trabalho como processo.
O trabalho
em um determinado momento expressa uma síntese filosófica e pode-se dizer que a
extensão, adquirindo as dimensões filosófica e educativa, intrínsecas à
categoria trabalho, pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade.
Pela educação, em seu sentido mais amplo, garante-se a preservação dos
conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações, num processo
de
acumulação, essencial à
qualidade de vida material e espiritual da humanidade, mantendo a sobrevivência
da espécie. O trabalho extensionista torna-se, portanto, fator de criatividade
do humano.
Como se vê,
o trabalho vem marcando a discussão no campo da extensão. No desenvolvimento
das atividades em que o humano defronta-se com a natureza, também realiza, a
partir dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho
que possibilita o significado da ação social, suas limitações, suas
possibilidades e conseqüências, sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um
ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as
relações sociais da espécie humana. Esse torna-se uma relação social já a
partir da relação estabelecida com a natureza, indicando nas relações de
produção, também expressas nas atividades de extensão, o caráter social,
indissociável, que acompanha o seu processo. A extensão como trabalho realiza-se
como processo constituído através das relações sociais - trabalho social útil com uma determinada intencionalidade.
Esta possibilidade de
se entender extensão como trabalho social com explícita utilidade opõe-se à
visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de
produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho.
Extensão,
como trabalho social útil com a intencionalidade de conectar o ensino e a
pesquisa, passa a ser agora exercida pela universidade e por membros de uma
comunidade sobre a realidade objetiva. É, portanto, um fenômeno educativo com
um conteúdo pedagógico derivado de questões da realidade social. Também é
prestadora de serviço sem ter sem ter essa finalidade. Pode, ainda, realizar
alguma assistência sem se tornar uma política compensatória assistencial. Como
ensino, é difusora de conhecimento bem como capturadora de problemas
científicos, artísticos, técnicos e culturais da sociedade contribuindo para
que sejam analisados pelas técnicas de
pesquisa, em especial
metodologias de pesquisa que promovam a participação, a exemplo da
pesquisa-ação. Um trabalho cooparticipado que traz consigo as tensões de seus
próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho de
construção do conhecimento novo ou reformulações das verdades existentes. Esses
objetos pesquisados serão os constituintes de outra dimensão da universidade: o
ensino. É também um trabalho de busca
de objeto para a pesquisa. A extensão
configura-se e concretiza-se como trabalho social útil, imbuído da
intencionalidade de pôr em mútua correlação o ensino e a pesquisa. Portanto, é
social na medida em que não será uma tarefa individual; é útil, considerando
que esse trabalho deverá expressar algum interesse e atender a uma necessidade
humana. É, sobretudo, um trabalho que tem na sua origem a intenção de promover
o relacionamento entre ensino e pesquisa. Nisto, e fundamentalmente nisto,
diferencia-se das dimensões outras da universidade, tratadas separadamente: o
ensino e a pesquisa.
Mas, a
extensão está permeada da dimensão do popular – extensão popular. Popular tem
sido um conceito que tem se apresentado de variadas perspectivas entre
militantes partidários ou de movimentos sociais, refletindo-se em ações
políticas de projetos em áreas urbanas e rurais. Junto a esses movimentos,
popular é visto como tudo aquilo que vem do institucional, a exemplo do
sindicato, grupos de mães, associação de moradores ... conformando tudo como
uma questão de consciência. Uma segunda visão externa o popular como algo que está, necessariamente, originado nas classes
sociais, em particular na classe trabalhadora, também disseminado em conceitos
como: as maiorias, o povo, a população, os mais sofridos ou os excluídos da
sociedade. Uma terceira visão vislumbra o popular
como algo que se expressa por encaminhamentos dirigidos a essas maiorias,
enfim, pautado em procedimentos. Nessa concepção, popular adquire dimensão de uma metodologia que só terá significado
quando expressar
uma visão de mundo em mudança, contendo em suas ações a
dimensão de propor saídas para as situações de miséria vividas pelo povo. Uma
quarta visão exige iniciativas no plano político, normalmente originais, que
marcam a própria autonomia desses movimentos, construindo um novo tecido social
embasado em outros valores e objetivos, expressão de um claro posicionamento
político e filosófico sobre o mundo. Esta terceira e quarta dimensão arrastam
expressivamente a compreensão sobre popular.
Como se vê,
ao se pensar a extensão popular exige-se
uma definição que passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio
conceito, inserido no marco teórico da tradição do fazer extensão, sendo,
urgente a atualização dessas ações para as novas exigências que são postas a
essas maiorias marginalizadas. Ao assumir a dimensão do popular, o conceito de
extensão passa a considerar as dimensões fundantes do adjetivo como a origem e o direcionamento das questões que se apresentam; o componente político essencial e norteador das
ações; e, com especial destaque o popular
expresso por metodologias que apontem
encaminhamentos de ações, acompanhadas de seus aspectos éticos (diálogo, solidariedade, tolerância, coletivo...) e utópicos
(autonomia,
liberdade...) que, para os dias de hoje, se tornam uma exigência social.
Assumindo a
dimensão do popular, a extensão transpõe os muros institucionais superando o
seu exercício apenas a partir dos participantes de determinadas organizações
sociais, sobretudo estatais. Adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade
abrangendo ações educativas em movimentos sociais e outros instrumentos
organizativos da sociedade civil ou mesmo a partir do Estado.
Como trabalho social útil com a intencionalidade
de transformação, direcionado aos setores sociais excluídos, a extensão popular
realiza-se no conjunto das tensões de seus participantes em
ação e da realidade
objetiva. Nessa perspectiva, a extensão popular contém uma metodologia de
trabalho social que desenvolva uma visualização maior das contradições do modo
de produção dominante, mesmo que os trabalhadores tenham pouca escolaridade e
baixa qualificação, elementos promotores de exclusão, sobretudo nesses setores
sociais. Para Prestes (1998: 5), são visíveis novas frentes de produção
econômica, talvez, voltadas ao mercado informal. “São estas novas formas
culturais, emergidas nos setores populares e voltadas a um tipo de produção
setorizado que oferecem possibilidades de construção de iniciativas econômicas
alternativas e inovadoras dos excluídos”. A efetivação de ações educativas
pautadas por princípios éticos definidos, com reforço ao coletivo e com
preocupações voltadas às maiorias sociais, será conduzida no sentido de
garantir que alternativas sejam possíveis, inibindo modelos de produção que só
mantêm ou fortalecem os mecanismos de exclusão.
É preciso
ações educativas na realização da extensão que pautadas no respeito às individualidades
do outro e na busca pela autogestão,
possam garantir o desenvolvimento das narrações históricas das experiências dos participantes. Segundo Vasconcelos (1998:
16), essas narrações, ao lado do envolvimento com a história, expressam uma
forma de teorização que, “ao contrário da maioria das formulações mais
acadêmicas, conseguem preservar os aspectos de subjetividade, de irracionalidade
e de coincidência que existem na vida social”.
São,
portanto, ações educativas em extensão popular capazes de apresentar a opção
pelo trabalho social útil com a intencionalidade de estar voltado à organização dos setores sociais, no
sentido, inclusive, de sua autovalorização
e de sua autorganização. Segundo Sales (1998: 8), os trabalhadores “ainda
se entregam muito a salvadores da pátria. Acreditam mais em leis feitas pelos
adversários do que em suas próprias
lutas, quando teriam
melhor resultado se batalhassem para ser governo e não para ter governo”.
Na busca da
modernidade, as ações educativas presentes na extensão popular voltam-se para
uma ética dos fins e dos meios, resgatando-se a ética na
política. Nesse sentido é que se pode desenvolver o trabalho social voltado ao
exercício da democratização de todos
os setores da vida social, com a promoção da participação de todos os
envolvidos em extensão, incentivando, inclusive, a educação aos direitos
emergentes das pessoas.
Além dos
princípios externados, pode-se desenvolver um conjunto de outros princípios,
norteadores de práticas extensionistas, que vislumbre os seguintes aspectos: a compartilhação dos conhecimentos e das
atividades culturais; a promoção da
busca incessante de outra racionalidade econômica internacional; a comunicação entre indivíduos, a responsabilidade
social, direitos iguais a todos, respeito às diferenças e às escolhas individuais ou grupais, novos
elementos que potenciem a dimensão
comunitária e a solidariedade entre
as pessoas. São, portanto, um corpo
ético que pode ajudar à construção de uma outra cultura política através da
extensão, caracterizadamente, popular. Extensão popular como expressão de
atitudes superadoras de todo tipo de agentes impeditivos da intransigente e radical
busca por novas concretizações de sonhos
de justiça, liberdade e de felicidade.
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